Com crianças do segundo ano do ensino fundamental
Essa semana realizei um workshop de encadernação com crianças do Segundo Ano do Ensino Fundamental de uma escola privada na cidade de Sāo Paulo. Agradeço Juliana J. pelo lindo convite e todas as professoras que se mantiveram tão presentes na sala de aula durante todo o workshop fornecendo apoio para que seus alunos pudessem participar deste processo e celebrarem a feitura dos seus cadernos! Foi um processo muito lindo!
As crianças queriam aprender a fazer encadernação artesanal para poderem preparar seus próprios livros de forma profissional. Elas escreveram textos de sua própria autoria e a, parte final deste projeto, será encadernar seus escrito para compartilha-lo com a comunidade escolar e familiares. Ao conversar com os professores sobre este projeto, e ver os materiais produzidos pelos alunos, selecionei a encadernação tipo panfleto. Mostrei um "boneco" para os professores que foi aprovado com entusiasmo. Por isso, no dia do workshop mostrei para a crianças como fazer uma versão menor desde cadernos. Uma oportunidade para fazerem um "boneco" e conhecerem o processo que iriam realizar mais tarde.
Durante o workshop a crianças puderam fazer perguntas sobre a arte da encadernação e experimentar os procedimentos básicos para criarem seus próprios caderninhos: dobra - "é igual ao origami!"; furaçāo - "o que é 45 graus?"; e, costura - "a gente dá um nó na agulha?", "A linha vai passar dentro? Como faz isso?!". No final da oficina professores e crianças tiveram a linda ideia de criarem os seus próprios zines (prática que já haviam realizado antes).
Muitos temas se abriram durante estes encontros. Destaco aqui a discussão acerca do tempo de feitura dos cadernos: "Queria que fosse bem rápido!", uma criança comentou. Então, refletimos sobre as diferenças e semelhanças entre os modos de feitura dos livros que habitam a sala de aula e os livros feitos por meio de encadernação artesanal. Contei que escolhi aprender o processo da encadernação artesanal porque gosto da ideia de desacelerar, de viver o tempo de forma mais dilatada. Também contei que, mesmo assim, incorporamos ferramentas ( tecnologia) para otimizar o processo e garantir uma melhor qualidade na feitura dos cadernos - berço, dobradeira, régua, sāo alguns instrumentos que auxiliam o dia a dia do encadernador. Percebo que ao realizar um objeto de forma mais lenta, podemos focar nossa atenção em cada objeto.
Uma criança compartilhou que fez uma mesa com madeira "de verdade"com o pai. Pensamos que fazer as coisas com as nossas próprias mãos nos ajuda a entender o processos de feitura dos objetos e nos ajuda a ficar mais integrado e presente no mundo atual. Trata-se da celebração do fazer manual e da presença no aqui agora.
Durante este processo algumas crianças perguntavam: "Estou fazendo certo? É assim que faz? Ou notavam algum aspecto do seu trabalho: "o furo tem que ser um pouco maior!". Então, pegavam a ferramenta e ajustavam a dimensão do furo.
Durante este processo descobriram que o furo não podia ser nem tão fraco , nem tão forte. eles precisavam encontrar a pressão certa do agulhão contra a superfície do papel. Enquanto costuravam seus cadernos observaram o caminho da agulha e da linha e também aprenderam a atar um nó.
O senso de coletividade era nítido, quando uma criança terminava pedimos para elas ajudaram umas às outras. Criamos um espaço colaborativo.
Tiveram crianças que perceberam que seus caderninhos não ficaram "perfeitos". Uma criança mostrou que o furo não estava centralizado na lombada e outra criança notou que o papel do miolo estava excedendo um pouco a capa. Ele queria ver apenas a capa preta.
Diante destes dilemas falamos sobre três aspectos relacionados ao "erro":
Lidar com os erros de uma forma que eles nos ajudem a continuar aprendendo. Os erros são parte essencial do fazer manual. Os erros nos ensinam a fazer com que busquemos soluções. Os cadernos Fenix, por exemplo, nascem dos "erros"que acontecem no dia a dia da encadernação artesanal. Ao invés de desperdiçar materiais de qualidade, olhamos para a plasticidade dos objetos e os reinventamos, buscando soluções adequadas para cada projeto. No caso do "furo fora do lugar", a criança poderia colar um adesivo de bolinha e criar um desenho, por exemplo, para incorporar o erro na feitura dos seus cadernos e fazer um novo furo na lombada do seu caderno.
Que mesmo tendo tecnologia e ferramentas que nos auxiliam com o processo de encadernação, precisamos sempre repetir um projeto. O aprimoramento de uma prática só acontece via repetição, colocando a mão na massa e se mantendo presente e reflexivo durante a prática.
O terceiro ponto é que no final da encadernação, muitas vezes, aparamos o livro usando estilete e régua de metal (ou a guilhotina). Neste dia, não levamos esses materiais, então, algumas crianças decidiram aparar seus livros com a tesoura.
Sai destes encontros com muita vontade de agradecer! E, claro, com vontade de estender a conversa, por isso, gostaria de finalizar este texto destacando algumas vantagens da encadernação artesanal:
- Do it yourself (Faça Você Mesmo). Aprender práticas humanas e poder realizá-las com autonomia gera uma sensação maravilhosa de aprendizagem e consciência.
- Quando fazemos livros, aprendemos sobre como esses objetos são feitos.
- É um fazer sustentável. Podemos pensar na compra e escolha dos materiais. Escolha de materiais naturais e quantidades necessárias (sem excesso)
- Um processo que garante a qualidade dos cadernos. Materiais de qualidade, pesquisa e processo de costura cuidadoso permitem a produção de um material útil e com valor estético.
Termino este post celebrando a autonomia e criatividade das crianças! viva a criatividade e a expressão das crianças. Que elas possam criar muitos caderninhos por conta própria para expressarem suas ideias, sentimentos, desenhos e memórias e histórias!
Foi uma experiência muito divertida e inspiradora.
Bibliografia:
Literacy through the Book Arts by Paul Johnson
How to Make Books - fold, Cut & Stitch to a One-of-a-Kind Book by Esther K Smith (illustrations by Lindsay Stadig and photographys by David M. Zimmerman)
Play and the Hundred Languages - an Interview with Lella Gandini
Maker-Centered learning: Empowering Young People To Shape Their Worlds by Edward P. Clapp, Jessica Ross, Jennifer O. Ryan, Shari Tishman - Project Zero (2016)